Raulff Lima, coordenador executivo da Renctas, aponta os esforços e propostas da ONG para uma gestão eficiente da fauna silvestre no Brasil
Beatriz Amaro
O tráfico de animais silvestres é o terceiro maior negócio ilegal do mundo perde apenas para o comércio de narcóticos e armas. É um problema expressivo no Brasil, cujo órgão público responsável pela fiscalização e combate deste crime é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em entrevista concedida à Revista Carga Pesada, Raquel Sabaini, analista ambiental do IBAMA, afirmou que as ações de repressão feitas pelo órgão aumentaram. Há quem discorde.
Raulff Lima é coordenador executivo da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, a Renctas, uma organização não governamental (ONG) que luta pela conservação da biodiversidade através de ações realizadas pelo país. Segundo ele, “a Renctas fez um relatório sobre a apreensão de animais silvestres em 2001. Não conseguimos acesso aos dados do IBAMA eles ficam condicionados ao próprio órgão. Há, inclusive, duplicidade de informações: a polícia ambiental captura animais e encaminha ao Instituto, que computa como apreensões próprias”. Lima é incisivo: os traficantes se adaptaram às novas tecnologias e nenhum órgão ambiental atua nesta esfera. “Ainda que existam feiras e pontos tradicionais de compra e venda, especialmente na Bahia, algumas regiões de Minas Gerais e no Pantanal, o grande foco dos traficantes é a internet. É possível encontrar grupos de comércio de animais silvestres em todas as redes sociais. Se uma pessoa de Curitiba se interessa por um animal de Manaus, por exemplo, o recebe no dia seguinte em casa. Os vendedores trabalham muito com serviços como o Sedex10.” Mas os Correios não são considerados corresponsáveis pelo crime. “Os funcionários não são obrigados a conferir o que é despachado. Se há alguma suspeita, as autoridades competentes são acionadas.”
A Renctas precisou se adaptar às novas modalidades do tráfico, mas percebeu um problema maior: a ausência de um programa eficiente de gestão e uso sustentável da fauna silvestre. Os poucos que existem sofrem com estruturas precárias, e tantos outros foram cancelados por falta de recursos e interesse. De acordo com Lima, “é possível perceber o grande endurecimento dos agentes ambientais, reféns de uma visão filosófica sobre a intocabilidade da fauna, ou seja, a percepção de que a fauna só está protegida em unidades de conservação. O tempo e a experiência nos provam que isto está completamente equivocado. O trabalho de um zoológico, um mantenedor, criador ou instituto não é danoso para a fauna – todos os programas de manejo são extremamente importantes para a conservação das espécies”. Em resposta a este problema, nos últimos dois anos a Renctas trabalha, em parceria com um grupo de mantenedores da fauna brasileira, na criação de um novo modelo de uso e gestão dos animais – é uma réplica direta às falhas encontradas nas ações do IBAMA, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Ministério do Meio Ambiente.
FINANCIAMENTO À CRIAÇÃO DE ANIMAIS EM CATIVEIROS
Ainda que muito contraditória, a criação de animais em cativeiros pode diminuir a demanda por animais provenientes do tráfico. Segundo Raulff Lima, “a Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB) – tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) que abarca tudo o que se relaciona direta ou indiretamente à biodiversidade – determina que os países adotem políticas de incentivo à criação de animais exsitu (em cativeiro) para abastecer o comércio legal. Os países que endureceram demais o combate ao tráfico atingiram números alarmantes de apreensões e suas espécies foram ameaçadas de extinção. Ao endurecer demais o legal, o ilegal ganha força”. E a diminuição do tráfico de animais silvestres não é a única vantagem do incentivo à criação em cativeiro: a partir do momento em que existem grandes matrizes em estoque para abastecer o comércio legal, elas podem ser utilizadas em programas de reprodução de animais em extinção e futura reprodução destas espécies em vida livre.
Lima aponta um fato alarmante: a maioria das unidades de conservação do país está totalmente comprometida – as invasões, caças, retirada de animais e o desmatamento continuam em alta. “As pessoas esquecem que os bichos migram, ou seja, não permanecem em unidades de conservação. Eles precisam se movimentar. Estas unidades estão sendo mantidas equivocadamente. Na região da Mata Atlântica, por exemplo, existe o que chamamos de floresta vazia – as unidades estão em pé, mas a fauna é muito reduzida. Acreditamos que um setor produtivo e bem estruturado trará benefícios enormes à conservação dos animais”, completa.
O processo é difícil. Lima diz que outras organizações ainda não compreendem a importância do trabalho de manejo em cativeiro. “A maioria das agências têm uma visão muito crítica em relação a este tipo de trabalho. São poucas as que entendem a eficiência desta estratégia no processo de conservação dos animais.” Além disso, a legislação nem sempre atua em consonância com a preservação da fauna. Conforme o coordenador executivo da Renctas, “a Lei Complementar 140 repassou para estados e municípios a gestão da fauna nos estados. O problema é que, quando questionadas, as autoridades dizem que a lei ainda está em processo de implantação. Por outro lado, questionar o IBAMA também é ineficaz – os representantes alegam que a fiscalização foi repassada ao poder público. Em suma: a fauna está sem pai nem mãe, mas a pressão sobre ela continua: o tráfico é cada vez maior”.
A NOVA PROPOSTA DA RENCTAS
Atualmente, a Renctas está focada na proposta de um Código Nacional de Fauna que, segundo Raulff Lima, seria elaborado nos moldes do Código do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente – as diretrizes precisam ser muito claras e precisamente estabelecidas. “O Código precisa ser bem estruturado para que todos os estados possam segui-lo. Hoje em dia, cada estado gere a fauna de acordo com o que acha apropriado. É uma grande confusão jurídica, uma vez que instruções normativas, portarias e resoluções são muito frágeis. A insegurança é grande e os próprios zoológicos e criadores não conseguem seguir as orientações atuais. Se forem fechados, será uma grande perda para a pesquisa científica e a conservação da fauna. Um dano irreparável”, postula.
Nos dias 25 e 26 de setembro, a Renctas realizou o I Encontro Nacional de Mantenedores de Fauna e Flora Silvestre, cujo intuito era discutir políticas nacionais do setor com seus diversos representantes. Pontos fundamentais foram abordados e serão levados ao Congresso Nacional na proposição deste Código. Em outubro, a ONG publicará o I Relatório Nacional Sobre Manejo e Uso Sustentável da Fauna Silvestre no Brasil. “Fizemos um resgate de todas as ações de sucesso que, apesar das dificuldades impostas pelos gestores ambientais, conseguem manter seus projetos e bons resultados. O objetivo é mostrar à sociedade que o caminho adotado pelo Brasil foi correto – o que precisamos é de mais incentivo, fomento e seriedade das políticas públicas em relação à gestão da fauna. Focar no tráfico é enxugar gelo.
Ao atacar numa única frente, os delinquentes trocam de atividade. Precisamos de eficácia para combater as raízes”, afirma Lima. A aprovação da nova legislação por parte do Congresso Nacional é trabalho hercúleo, mas a Renctas não poupará esforços para que os resultados sejam prósperos. “Já atuamos para que debates importantes aconteçam – é fundamental ressaltar que todos lutamos por uma causa comum: a conservação da fauna silvestre. Diminuir o discurso entre prós e contras é improdutivo para alcançar o objetivo final. O combate eficaz ao tráfico é feito a partir de um trabalho sério e nítido. O Código Nacional da Fauna pretende não apenas reduzir o comércio ilegal de animais silvestres, mas também viabilizar o levantamento de dados e informações e sistematizálos”, completa Lima. A colaboração da sociedade civil é essencial – é função dela buscar atores interessados no assunto de forma coerente. “O debate não pode acabar. O IBAMA, principal agência ambiental responsável pelo combate ao tráfico, não é transparente. É um problema – e a solução depende do diálogo constante”, finaliza.
CARGA PESADA E O COMBATE AO TRÁFICO
Há 15 anos a Revista Carga Pesada mantém, em parceria com a Escola Municipal de Teatro de Londrina e o patrocínio da Volvo, o projeto Caravana Ecológica, que percorre as estradas do país e apresenta peças teatrais cujos temas são a preservação da biodiversidade e o combate ao tráfico de animais silvestres nas rodovias. O foco do projeto é a conscientização dos caminhoneiros, muitas vezes parte fundamental deste crime.
Uma nova versão é montada a cada ano. Desde 2005, com o slogan “Estrada Verde, Água Limpa”, a Caravana aborda a importância de se preservar água potável – o intuito é deixar o caminhoneiro, especialmente aquele que trabalha com produtos perigosos, a par dos cuidados com a conservação dos mananciais de abastecimento.
São mais de 100 mil quilômetros rodados, mais de 500 apresentações realizadas e mais de 200 mil espectadores alcançados pela linguagem universal do teatro.
FONTE CARGA PESADA
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